É
surreal pensar que o público somado dos mais de
200 shows das três últimas turnês de Madonna
seja menor do que a platéia que lotou a Praia de
Copacabana. No sábado, 4/5/24, a cantora
americana se apresentou para 1,6 milhão de
pessoas.
A
maior popstar em atividade fez o maior show de sua
história, com participações de Pabllo Vittar
(“Music”) e Anitta (“Vogue”).
As duas não cantaram, mas subiram ao palco e
contracenaram com a diva.
Madonna
transformou o Rio no lugar perfeito para a
despedida da turnê que celebra seus 40 anos de
carreira. Nada diminuiu a catarse, nem mesmo os 45
minutos de atraso ou os tantos perrengues de um
evento deste porte. Mas quem esperava uma enorme
pista de dança, teve que se contentar com um
excelente musical.
Pioneira
em trazer para os mega shows a teatralidade da
Broadway, Madonna faz desta “tour” uma peça
sobre ela mesma. Em pouco mais de duas horas, cada
ato representa um momento marcante de sua vida
pessoal e profissional. O show do Rio é quase o
mesmo do resto da turnê.
"Nothing
Really Matters" abre o setlist de forma
arriscada. A música do disco “Ray of Light”
(1998) representa uma fase mais psicodélica e
soturna, responsável por dar à cantora seu
único Grammy de Melhor Álbum Pop.
“Olhando
para minha vida fica claro que eu vivia de forma
egoísta”, ela canta, em uma das letras mais
pessoais da discografia. A escolha pouco óbvia de
abertura tem a ver com a força da letra, uma
espécie de editorial ou introdução desta turnê
super personalista e auto celebratória.
A
apresentação, no entanto, passa longe de ser um
show currículo. Há uma razão para cada música
estar localizada em cada um dos sete atos. Todos
eles têm imagens memoráveis e uma direção de
arte digna de alguém como Madonna.
A
primeira parte é dedicada ao começo de carreira,
quando uma então jovem ambiciosa com US$ 35 no
bolso saiu de Detroit, no estado americano de
Michigan rumo a Nova York, em 1978. A sequência
formada por "Everybody", "Into the
Groove", "Burning Up" e
"Holiday" faz o show engrenar.
“Live
to tell” abre o segundo bloco, que dá uma pausa
na festa. Ao som da balada, a cantora homenageia
amigos e outras pessoas que morreram após o
diagnóstico de Aids. Emocionada, Madonna chorou
após a música. Nos telões, apareceram fotos de
famosos brasileiros como Renato Russo e Cazuza,
que também morreram por complicações da
doença.
Em
1989, Madonna incluiu no encarte do álbum “Like
a Prayer” uma cartilha sobre a Aids, em uma
época em que falar sobre a epidemia da doença
era considerado um tabu. Não por acaso, a faixa
encerra esse segmento.
O
terceiro ato relembra a fase mais provocativa.
Aquela era dos anos 90 focava em que looks, letras
e clipes focavam na busca pela liberdade sexual
feminina. O figurino dessa parte é o mais simples
e com menos pano e adereços: apenas uma camisola
e um roupão.
Os
bailes da comunidade LGBTQIA nova-iorquina nos
anos 80 são homenageados na sequência seguinte,
com "Human Nature" e "Crazy for You".
Em “Vogue”, quando os bailarinos dançaram e
pessoas deram notas para as performances, Anitta
subiu ao palco como uma das juradas.
O
quinto bloco tem como destaque os bons arranjos
instrumentais, uma raridade em um show quase todo
feito sem a presença de músicos. “Music”,
por exemplo, ganhou pegada com a presença de um
grupo de ritmistas de escolas de samba. Pabllo
também participou, mas sem cantar. Ela dançou
acompanhada dos percussionistas e sensualiza com
Madonna.
“La
isla bonita” e “Don't tell me”, por sua vez,
têm a presença de seu filho David Banda ao
violão. Antes, a filha Mercy James tocara piano
em “Bad girl”. A destreza dos dois deixou a
impressão de que não seria uma má ideia se a
próxima turnê fosse mais intimista e em
família, como aquela que Caetano Veloso fez com
os filhos.