Dentro
do carro ou atrás de
árvores, prática é assunto
de fóruns na web
Onze
da noite. Um casal ignora a
existência de um motel a
poucos metros e transa de pé,
na calçada ele de zíper
aberto, e ela de saia
levantada, atrás de um
caminhão estacionado. O ato
é desinibido, mesmo com a
passagem de carros e motos no
quarteirão dos fundos de um
clube esportivo, em uma área
residencial, na esquina das
ruas São Gonçalo do Abaeté
e Monte Cassino, no bairro
Santa Branca, na Pampulha, em
Belo Horizonte.
Esse
e outros flagras foram feitos
na noite de BH. Durante dois
dias, a reportagem percorreu
sete dos pontos mais citados
em fóruns virtuais para
encontros sexuais na capital
mineira e em Contagem, na
região metropolitana, e
constatou atos obscenos.
A
prática é crime com pena
prevista de três meses a um
ano de detenção e pagamento
de multa. O delegado
estabelece o valor conforme
fatores como condição
financeira dos envolvidos e
local do crime.
A
penalidade, no entanto, não
assusta. Na Cidade Industrial,
em Contagem, outra dupla se
aproveita de carretas
estacionadas, uma atrás da
outra, na rua Doutor José
Américo Cansado Bahia, onde
há diversas empresas, para
praticar masturbação às
16h.
Sob
anonimato, um agente da Guarda
de BH afirmou que dificilmente
os casos são encaminhados à
delegacia: “Delegado nem
recebe”.
Com
a garantia da impunidade, quem
gosta da prática “deita e
rola”. No Marco Zero da
Pampulha, em Belo Horizonte,
alguns praticam “dogging”,
que é o sexo em público,
e/ou troca de casais, o famoso
“swing”.
Rodrigo*,
hoje com 35 anos, considera o
sexo na rua um hobby e lembra
de vários casos. “O beijo
meu e dela bateu muito.
Tentamos ir ao banheiro do
bar, mas fomos impedidos.
Seguimos pra rua e transamos
ali, na entrada de uma empresa
em Contagem (na rua)”, disse
o morador da cidade.
Carolina*,
da mesma idade e também de
Contagem, avalia que transar
na rua não é fetiche: “É
mais uma situação em que
você aproveita. Às vezes, a
pegação está boa e a gente
continua no carro para não
quebrar o clima”, revela ela
à reportagem.
*
Nomes fictícios
Na
internet, guia dá dicas e faz
alertas sobre segurança Tema
pouco falado, a prática de
sexo nas ruas da capital “bomba”
na internet, em páginas como Gozada
Rápida BH, com mais de 46
mil seguidores no Twitter até
o fechamento desta edição.
Em uma das postagens, um
usuário diz que, quando há
poucas mulheres no Marco Zero,
o sexo oral entre homens é
praticado no local.
Sobre
o Parque Lagoa do Nado, um
post recente alerta sobre
vigias: “Da última vez que
fui lá, estava tenso. Agora
tem segurança, que fica com
um apito”.
No
Barro Preto, na região
Centro-Sul, o risco seria
outro, conforme algumas
postagens. “Novas ameaças
de homens armados nas ruas do
bairro com xingamentos
homofóbicos”, postou um
usuário.
“Aqui,
não”: ponto sexual é
desativado De tanto ser usado
para a prática de sexo, um
ponto no bairro Mangabeiras,
na região Centro-Sul, acabou
cercado pelos próprios
moradores do entorno. “Era
uma área redonda, onde cabiam
quatro ou cinco carros embaixo
das árvores”, contou um
homem de 34 anos, frequentador
do local. Ele se refere à rua
Professor Djalma Guimarães,
perto do mirante do
Mangabeiras.
Carro-motel
Sem
luz e acessado pela rua João
Ceschiatti, o mirante da
Copasa reúne casais há anos
em BH. Os faróis do carro de
reportagem mostraram pessoas
seminuas dentro dos carros.
Questionada sobre a
escuridão, a Cemig esclareceu
que, desde janeiro de 2015, a
responsabilidade sobre os
ativos de iluminação
pública é das prefeituras
municipais, conforme
determinação da Agência
Nacional de Energia Elétrica
(Aneel). Por essa razão,
entramos em contato com a PBH,
e aguardamos retorno.
Linha
de trem
Na
pista de caminhada da avenida
dos Andradas, na altura do
bairro Horto, na região Leste
de BH, um portão destruído
dá fácil acesso a uma linha
férrea onde há dezenas de
camisinhas usadas no chão.
Responsável pelo local, a VLI
informou que vai mandar
consertar o cadeado
vandalizado.
Sexo
na rua: Prática é perigosa e
pode ser um ‘desvio’
O
ato de fazer sexo no carro ou
na rua é considerado um
fetiche social, com teor de
risco, como explica a
psicóloga Jordana Fantini,
especialista em sexualidade.
“Tanto é assim que é
crime. E essa proibição é o
que causa essa adrenalina que
mexe tanto com algumas pessoas”,
disse. Segundo ela, há casos
em que a prática extrapola o
fetiche e se transporta para o
âmbito do “desvio da
sexualidade” a chamada “parafilia”.
“O
fetiche é patológico quando
a pessoa só consegue ter
desejo daquele jeito, ou seja,
no caso em questão, só
transa na rua. Há como tratar
na terapia sexual, porque isso
pode estragar a vida da
pessoa. Os resultados são
muito bons”, disse.
O
sexo na rua carrega
características do
exibicionismo (prazer em
mostrar a própria nudez),
observa Sônia Eustáquia
Fonseca, também psicóloga
com especialização em
sexualidade. “Em determinado
momento (da história da
humanidade), o homem entrou na
gruta e a tapou com uma pedra
para ter privacidade. Quando o
sexo é feito para todo mundo
ver, há um distúrbio”,
afirmou a sexóloga.
A
exceção existe para a troca
consensual de parceiro sexual,
em uma casa de troca de
casais, por exemplo, observa
Sônia.
Abordagem
varia caso a caso
Em
2022, de janeiro a maio,
apenas 77 pessoas foram
conduzidas a uma delegacia por
prática de sexo em local
público ou exibição de ato
obsceno – em BH, foram
cinco, segundo dados da
Secretaria de Estado de
Justiça e Segurança Pública
do Estado.
Segundo
o especialista em segurança
pública Jorge Tassi, a
condução significa levar o
envolvido a uma delegacia,
onde ele assinará um Termo
Circunstanciado de Ocorrência
(TCO), pois trata-se de crime
de menor potencial ofensivo.
“Na ocasião, a pessoa
também se compromete a
comparecer em juízo”,
disse.
Questionada
pela reportagem se o Estado
tem inquérito sobre esse tipo
de caso, a corporação não
tinha respondido até o
fechamento da edição.
Procurada pelo Super para
explicar o procedimento
adotado para a abordagem a
pessoas em ato obsceno, a PM
disse que “há necessidade
de análise de cada caso
concreto para definição do
padrão da abordagem e dos
procedimentos decorrentes”.
Durante
as três idas da reportagem
aos pontos, viaturas foram
vistas, mas sem qualquer
abordagem de cidadãos.
Criminosos
ficam de olho pra agir “Tive
o desprazer de enterrar os
dois. Um casal muito bonito
que poderia estar aqui hoje”.
O relato é do especialista em
segurança pública Jorge
Tassi, militar aposentado,
sobre o homicídio de um
amigo, oficial da corporação
em São Paulo, na década de
90, e da namorada da vítima,
estudante de medicina,
enquanto namoravam em um
carro, perto de casa. Os dois
tinham cerca de 20 anos.
Para
Tassi, transar na rua é ato
infeliz, pois em todas as
grandes cidades há criminosos
organizados para achar essas
vítimas (desatentas no sexo)
e abordá-las para furtos,
roubos e até latrocínio –
roubo seguido de morte.
Prefeituras
desconhecem queixas
A
reportagem procurou as
prefeituras de Belo Horizonte
e Contagem e informou os
locais públicos onde
verificou a prática de sexo.
As duas administrações
informaram que não têm
registro de ocorrências ou de
denúncias relacionadas às
situações. No entanto, a
Guarda Municipal está
orientada a abordar casos
suspeitos, ainda segundo a
resposta das prefeituras.
Vista
grossa
Na
maioria das vezes, os guardas
municipais de viaturas em
patrulhamento apenas abordam
as pessoas flagradas em ato
sexual em locais públicos
para dar orientações, sem
conduzir à delegacia. Foi o
que disse à reportagem um
agente da corporação em BH,
sob total anonimato.
É
crime Praticar ato obsceno em
local público ou aberto ou
exposto ao público é crime
conforme o artigo 233 do
Código Penal. A penalidade
prevista é de detenção por
três meses a um ano ou
cobrança de multa. Denúncias
podem ser feitas à PM pelo
190 ou pelo 181. Não é
necessário se identificar.
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